quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Juros remuneratórios e mútuo bancário.

Os juros remuneratórios no mútuo bancário têm sofrido reduções com o passar o tempo, o que vem sendo noticiado com certa freqüência. Contudo, nossa taxa de juros remuneratórios continua sendo uma das mais altas do planeta e, para combater esse tipo de abuso por parte das instituições financeiras, é importante que os advogados criem uma argumentação nova, diferenciada e amparada em dados estatísticos hábeis a comprovar a discrepância entre os lucros auferidos com os devedores e aqueles repassados aos poupadores.

Bom, com base nesse discurso, exponho a argumentação que venho utilizando em ações de revisão de contrato bancário, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor e espero que seja útil para amparar uma discussão a respeito do assunto :

Discute-se a redução dos juros remuneratórios ante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

O Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, em voto proferido no Recurso Especial N. 407.097 – RS, esclarece que o Código de Defesa do Consumidor, com fulcro nos artigos 6º, inciso V, artigo 39, inciso V, artigo 51 inciso IV e artigo 52, possibilita que o judiciário determine as regras de equidade para implantar ou restabelecer o equilíbrio das relações dos bancos com os seus clientes.

Salienta que em período anterior a implementação do plano Real, ou seja, antes de julho de 1994, notadamente na ida década de 70, ante a ocorrência de altas taxas de inflação e graças a inviabilidade de aplicação de um mecanismo de correção monetária, às instituições financeiras era permitido a cobrança de taxas de juros superiores ao importe de 12% ao mês.

Todavia, atualmente, devido a implantação do Plano Real, o controle da inflação e a possibilidade de utilização dos índices de correção monetária, deve-se ponderar a aplicação das taxas de juros.

Destacamos trecho do decisum que deu origem ao mencionado recurso especial:

"Considerando-se que os juros básicos do país, determinados pelo BACEN, tem oscilado, após o advento do “Plano de Estabilização da Moeda – Plano Real”, entre 16,5 a 49% ao ano, estando atualmente em exatos 16,5%. Assim, a aplicação do índice de 10,9 ao mês significa, sem que haja capitalização mensal, um ganho efetivo de 130,80% ao ano sobre o capital emprestado. Sequer se pode considerar como álea normal de negócios desta espécie a elevada inadimplência existente, que seria a única hipótese a afastar a pecha da excessiva onerosidade, pois decorrente das próprias práticas bancárias, de um lado, ao exigirem demasiada remuneração, e, de outro, ao fornecerem crédito sem as mínimas cautelas sobre a possibilidade de pagamento dos mutuários." (grifo nosso).

Resta evidente, no caso acima citado, o vultuoso ganho da casa bancária em detrimento do consumidor, pois somente aplicando o encargo de juros remuneratórios no importe de 10,9% ao mês, percebe um ganho anual de 130,8% sobre o valor do capital emprestado!

As instituições financeiras utilizam o spread bancário para aumentar a lucratividade e, consoante o próprio Ministro retrata, o nosso é um dos mais altos do mundo. Spread bancário, como se sabe, é a diferença entre os juros cobrados pelos bancos nos empréstimos a pessoas físicas e jurídicas e as taxas repassadas aos investidores que colocam seu dinheiro em aplicações. Logo, quando maior o spread, maior a lucratividade da instituição financeira.

Pois bem, os custos de capitação diversificam-se segundo a fonte de obtenção de dinheiro (caderneta de poupança, depósitos remunerados, aplicações em moeda estrangeira, etc); gastos com pessoal (estabelecimento, salários, papel, veículos, equipamentos de limpeza, etc); impostos e taxas devidas a entidades da fazenda e, por fim, a taxa de risco, correspondente aos prejuízos acarretados pelos maus pagadores. Acresce-se, ainda, a taxa de lucro dos bancos.

O doutrinador Alexandre Assaf Neto (Mercado Financeiro. São Paulo, Atlas, 2001, p. 56) apresenta, com clareza, os fatores que compõe o spread bancário, destaca-se:


1) taxa de capitação do banco, incluindo o custo do depósito compulsório sobre a capitação;

2) impostos indiretos e contribuições como PIS, COFINS e IOF. Inclui-se nesse item também a contribuição que as instituições

3) financeiras devem fazer ao Fundo de Garantia de Empréstimo 9FGC, calculado por meio de um percentual incidente sobre o saldo mensal de capitação;

4) despesas administrativas incorridas pelas instituições e calculadas sobre cada unidade de crédito concedida;

5) impostos sobre lucros, como IR e CSLL,

6)  lucro do banco.

Não se deve olvidar, ainda, que outros encargos podem ser incluídos no referido percentual, como taxas e tarifas vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor, o que somente se vislumbraria mediante apresentação de perícia detalhada.

O que pretendemos destacar é que, apesar de todos os encargos acima descritos, o mercado de crédito, que deveria servir precipuamente como meio fomentador para as demais atividades mercantis, tornou-se um fim em si próprio, sendo mais lucrativo que qualquer outro empreendimento. É evidente que os lucros são abusivos, dada a sua vultuosidade.

Não obstante, inúmeros Ministros têm se mostrados silentes quanto a essa obviedade e apresentam entendimento no sentido de que a taxa de juros é abusiva somente se acima da taxa média de mercado e desde que demonstrado o desequilíbrio contratual e lucros excessivos.

Questiona-se o que seria a tão aclamada taxa média de mercado e como funcionaria a sua apuração.

Segundo informe do próprio Banco Central, “as taxas de juros representam a média do mercado e são calculadas a partir das taxas diárias das instituições financeiras ponderadas por suas respectivas concessões em cada data. São divulgadas sob o formato de taxas anuais e taxas mensais. As taxas médias mensais são obtidas pelo critério de capitalização das taxas diárias ajustadas para um período padrão de 21 dias úteis”. 

Advertindo ainda que “em geral, as instituições praticam taxas diferentes dentro de uma mesma modalidade de crédito. Assim, a taxa cobrada de um cliente pode diferir da taxa média. Diversos fatores como o prazo e o volume da operação, bem como as garantias oferecidas, explicam as diferenças entre as taxas de juros”. (grifo nosso).

E como o consumidor fica a par dessas diferenças? Como ele pode ter conhecimento do acerto na fixação de sua taxa? Como sabe se não está sendo ludibriado?

Cremos que a resposta para tal questionamento encontra-se na aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê o seguinte:
  
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;


Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...)

 V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;


Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)  

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

 I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
 II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
 III - acréscimos legalmente previstos;
 IV - número e periodicidade das prestações;
 V - soma total a pagar, com e sem financiamento.

Colacionamos, ainda, a Resolução n. 2.878 do Conselho Monetário Nacional, em cujo artigo 1º estabeleceu:

Que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral, sem prejuízo da observância das demais disposições legais e regulamentares vigentes e aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional, devem adotar medidas que objetivem assegurar:
I - transparência nas relações contratuais, preservando os clientes e o público usuário de práticas não eqüitativas, mediante prévio e integral conhecimento, inclusive, os dispositivos que imputem responsabilidades e penalidades. (grifo nosso).

A formação da taxa de juros unilateralmente pela instituição financeira, baseada em critérios abstratos, é amplamente vedada pela legislação consumerista e pesarosamente adotada pelos Tribunais. O lucro excessivo da casa bancária, conforme demonstrado, é vultuoso. Contudo, se esses valores não se mostram claros para todos e, nos termos dos artigos acima detalhados, é imprescindível que a Requerida demonstre sua porcentagem de lucratividade embutida na taxa mensal. 

Reiteramos que as taxas de juros são formadas – ao menos aos olhos do consumidor – por critérios abstratos e a taxa média de mercado pouco auxilia para solucionar esse impasse. Dessa forma, o consumidor tem direito de saber os reais encargos que oneram o seu crédito e, conseqüentemente, aqueles que integram a misteriosa taxa de juros que, acaso não seja minunciosamente detalhada, tudo poderá englobar (inclusive diversas irregularidades).

Os sofismas jurídicos sobre o tema se detêm a copiar os argumentos apresentados pelas instituições financeiras, sem questionar, por exemplo, quais os fatores que compõe uma taxa de juros. Certamente são fatores voláteis, contudo, fixos para determinado momento no tempo (data da assinatura do contrato).

A partir dessa análise, poder-se-á, com grande detalhamento, observar o lucro da casa bancária para aquele específico empréstimo, ao passo de que o lucro geral é divulgado de forma semestral ou até trimestral, pode ser consultado por todos e é extremamente vultuoso.

Assim, é imprescindível a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, para que a Requerida apresente o contrato ora discutido e planilha detalhada dos encargos que compuseram a taxa de juros no ato da contratação, inclusive a porcentagem de lucratividade da instituição financeira.

Com todos esses detalhamentos em mãos, poder-se-á analisar, sem qualquer sofismo, a medida da abusividade.

Se o presente requerimento não for cumprido pela instituição Requerida, dever-se-á adotar a limitação da taxa de juros no importe de 12% ao mês, como medida de inteira justiça.

(Redação Kétlin Sartor Ristau)

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