segunda-feira, 25 de abril de 2011

O "laranja".



Um professor da pós-graduação em direito societário e empresarial, certa vez contou a seguinte história: uma sociedade limitada, composta por dois sócios, teve sua personalidade jurídica desconstituída e, conseqüentemente, o patrimônio dos seus instituidores atacado. O impasse estava na divisão das cotas: um dos sócios detinha 95% do capital social, ao passo que o outro possuía apenas 5%. Este último se quer participava dos negócios, sendo um mero “laranja”.


Assim, para evitar o ataque ao seu patrimônio, o sócio minoritário ingressou em juízo alegando justamente a suposta fraude, ou seja, que sua presença era meramente figurativa e servia unicamente para cumprir um requisito legal: a sociedade prescinde de dois sócios.

Com isso, buscou demonstrar em juízo que a sociedade tratava-se, na verdade, de uma empresa individual, afirmando que, apesar das aparências, pertencia a uma única pessoa.

Não obstante, sua empreitada restou infrutífera por esbarrar na seguinte máxima: ninguém pode alegar a torpeza em benefício próprio.

Ocorre que, passados uns meses após ouvir o professor, tive a oportunidade de estudar caso semelhante, mas em sentido inverso:

Um casal objetivou a criação de uma sociedade empresária cuja empresa não convém mencionarmos. Todavia, ambos encontravam-se impedidos de constituir o negócio, pois seus nomes figuravam nos órgãos de restrição de crédito.

Utilizando-se das possibilidades subsistentes no arcabouço legal pátrio, chamaram um dos filhos e firmaram um contrato verbal, com as seguintes clausulas:

1       -Seria constituída uma empresa individual em nome do filho, que não passaria de um mero “laranja”;

     2- Os pais atuariam como gestores do empreendimento.


Assim, em que pese a ocorrência da supracitada gestão, tratava-se de empresa individual, a qual foi formada com amparo em todos os trâmites da lei. O empresário era o filho e a própria empresa confundia-se com sua pessoa. Logo, caso o empreendimento restasse infrutífero e ações de execução fossem intentadas, o nome e patrimônio do filho estariam em jogo e não o de seus genitores.

Segundo Fábio Ulhoa Coelho:

[...] o empresário pode ser pessoa física ou jurídica. No primeiro caso, denomina-se empresário individual; no segundo, sociedade empresária" (Manual de Direito Comercial. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 19). In casu, tem-se como litigante um empresário individual, pessoa física, portanto. Grifo nosso.”

Há identidade entre a pessoa física e a pessoa do empresário, nos termos do julgado abaixo colacionado, in verbis:

Ocorre que pelo nosso sistema jurídico a firma individual não constitui pessoa jurídica, pois não tem personalidade jurídica própria. Constitui uma mera ficção jurídica que habilita a pessoa física a comerciar com algumas vantagens de natureza tributária. Não há, assim, dupla personalidade, uma civil e outra comercial, mas tão somente a pessoa civil do comerciante. Daí a legitimidade do empresário individual para figurar no pólo passivo ou ativo de ação onde se discute o contrato firmado pela sua microempresa individual” (TJSC, AI n. 101794-3, Des. Ulysses Lopes).

Ante os argumentos acima explanados, denota-se, sem sombra de dúvidas, que o filho era o empresário.

Ocorre que o casal ingressou em processo de separação judicial litigiosa e, durante os trâmites judiciais, o filho alienou seu negócio à terceiro. O cônjuge varão, então, passou a exigir prestação de contas e metade dos valores obtidos na venda, sob o argumento de que o empreendimento foi constituído por ele e sua esposa, sendo o filho um mero “laranja”.

Ora, é evidente que uma empresa individual (que seguiu todos os trâmites para a sua formação) não pode ser transformada em uma sociedade (irregular, no presente caso). Por motivos óbvios, cônjuge varão e genitor somente teria direito a perceber o patrimônio pleiteado se sócio fosse, o que não se coaduna com o instituto da empresa individual ou com a mera figura da gestão.

O próprio cônjuge varão persistiu afirmando a ocorrência de simulação, ou seja, que efetivamente integrava uma sociedade irregular mascarada por uma empresa individual (tese que não possui qualquer amparo nos tribunais pátrios). Conforme explanado anteriormente, não se pode utilizar a torpeza em benefício próprio, nos termos do art. 104 do Código de Beviláquain verbis:

Tendo havido intuito de prejudicar a terceiros, ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar, ou requerer os contratantes em juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros.

A doutrina interpretou a norma supra transcrita nestes termos:

Nessas condições, se a simulação tem por escopo prejudicar a terceiro, os simuladores nada poderão alegar contra o ato; ninguém será admitido a alegar a própria torpeza (nemo de improbitate sua consequitur actionem). Assim também se a simulação visou a infringir preceito legal, a parte nada pode argüir ou requerer em juízo no tocante a ela, de acordo ainda com o mesmo art. 104.

Desta forma, o cônjuge varão não detém poderes para intervir na decisão de seu filho.

O problema mais grave é que esta matéria não foi apreciada por uma vara especializada em direito empresarial, ou seja, pode surgir uma decisão deveras estranha.

Não posso informar qual foi o deslinde da causa, pois deixei de acompanhar seu trâmite há meses, mas espero que tenha ocorrido dentro da visão empresarial.

Caso algum dos leitores possua outras sugestões sobre como lidar com esse caso, por favor, exponha seu ponto de vista e vamos discutir! É a finalidade desse blog!

3 comentários:

  1. Lembro de ter visto o julgado que deu origem a este artigo... muito bom!

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  2. Eu vi, não salvei e não consigo encontrá-lo novamente! Se tiveres, me passa! hehe

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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